10 de jan. de 2022

Você "Tem farinha no Saco"?



Por Mestra Brisa e Mestre Jean Pangolin


A expressão "farinha no saco", corriqueiramente mencionada pelos antigos na Bahia, faz alusão a alguém que tem muito conhecimento sobre algo e que se garante, ou seja, quando o mestre diz: "fulano não tem farinha no saco", ele quer dizer que a pessoa não tem condições de ser/fazer alguma coisa em capoeira. Neste sentido, trataremos a seguir de alguns aspectos que qualificam os indivíduos em capoeira neste tempo histórico, considerando a transitoriedade das culturas populares, tendo como ponto de referência a capoeira na/da Bahia.

Existe um dito popular que diz: "Se conhece o homem, pelo arriar das malas". Assim, de forma análoga dizemos em capoeira que "conhecemos o bom tocador, pela forma que ele segura o berimbau", ou seja, guardada as proporções e o bom senso, uma tocadora experiente reconhece a outra, mesmo antes mesmo de ouvir o toque do instrumento. Assim é, em capoeira, quando vemos o jeito como a pessoa maneja o instrumento, já sabemos se ele tem ou não "farinha no saco", pois a boa capoeira faz com que seu berimbau seja uma espécie de extensão do seu próprio corpo, transformando o som emitido em catalisador do jogo/vadiagem, pela alquimia impactante do ijexá em nosso arquétipo inconsciente.

Um dia mesmo, estava numa roda em Salvador, no Terreiro de Jesus, e vi o mestre Carlinhos Canabrava, no auge dos seus 63 anos, entrar numa roda onde só tinha capoeira tirado a brabo. O mestre entrou com um, “botou no bolso”, entrou com outro, “fez o cabra suar”, entrou com a terceira, deu nó em suas pernas, tudo isso regado a ludicidade e muita, mas muita sagacidade no jogar. O mestre brincou de embaraçar gente, este sim “tem farinha no saco”. 

“Não vou longe, não”, da mesma forma me sinto quando o Mestre Moraes, fundador do GCAP, canta. É um misto de alegria por ouvir uma cantiga de excelência sendo entoada, e sentir a ancestralidade da capoeira se apresentando. Simplesmente, é! Não se questiona, se reverencia. Não se dispersa, se conecta, pra que daí possamos construir o elo ancestral, e que nos projeta ao mais alto grau de nossa arte. A mesma coisa posso falar de alguns(as) antigos(as) conhecedores de nossa arte, basta sua presença pra sabermos, que hoje, a capoeira se fará presente, majestosa e embaraçosa.

Quem tem "farinha no saco" quando joga é "problema puro", "barril dobrado", pois a expressão de seu balanço traduz a ancestralidade encarnada em seu corpo, transformando uma simples "ginga" em jiká, um meneio ancestral de ombros para ataque belicoso disfarçado. Pois é, quando temos a (in)felicidade de esbarrarmos com uma destas figuras emblemáticas, verdadeiramente, a capoeira irá nos perguntar: "quem é você ‘mô pai’?" (risos). E aí, ao “sobreviver” desse encontro, e aprender com a inusitada experiência, quem sabe um dia você poderá ser alçado à condição de ir naquele lugar, que "só vai quem tem negócio"?

Portanto, capoeira, calibre seu olhar, amplie seus sentidos, aguce sua curiosidade, sinta o “dendê”, encontrar-se com estes ancestrais vivo lhe fará sentir-se potente, e diante de um templo para a “pedagogia da oitiva”!

Axé!

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Ouça Voce tem farinha no saco?.mp3 de Mestra Brisa _ Carol Magalhães no #SoundCloud
https://soundcloud.app.goo.gl/qixAs

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