21 de mar. de 2021

A política e a politicagem na capoeira: duas faces da mesma moeda


Por: Mestra Brisa e Mestre Jean Pangolin
 
 
Sabe aquela descrença que nos abateu entorno da "política", sobretudo quando nosso país nos dá tantos indícios de que o que vem da "política" não presta, é sempre vinculado a roubos, desvio de verba pública e etc? Ainda mais quando aproximam a política da capoeira, aí é que eu engasgava e dizia... - Não quero saber disso aqui, não! Então... Compartilhamos da mesma sensação, porém com o tempo e a aproximação com os conceitos, pude perceber que estava a misturar duas coisas diferentes... Disso que trataremos no texto a seguir...
 
Iniciarei tratando do que é política, do ponto de vista conceitual... Segundo o dicionário Michaelis, política vem do grego πολιτικός / politikos, significa a "arte ou ciência de governar", algo que tem a ver com a organização, direção e administração de nações ou Estados. Nos regimes democráticos, a ciência política é a atividade dos cidadãos que se ocupam dos assuntos públicos com seu voto ou com sua militância. Neste sentido, política se aproxima do ato de organizar, dirigir, administrar algo. Trazendo pra capoeira, seria como o papel do mestre diante de seu grupo de alunos, sua roda, fazendo a gestão deste "organismo vivo" que são os capoeiras no entorno da capoeira.
 
Ora! Se pensarmos no nosso país como uma grande roda, poderíamos entender que a política estaria concentrada nas mãos da/o nossa/o mais antiga/o - a mestra, pela experiência reconhecida publicamente, em mãos dadas aos seus alunos mais antigos (contramestres/as, professores/as, formados/as, treinéis...) na complexa lida com o conjunto de praticantes. Este seria o desenho que representaria a política em nossa arte.
 
Um elemento importante está por trás desta cena que, tal como na sociedade, nos preocupa. Quais os objetivos que mediam a ação desta mestra ou mestre, gestor desta cena onde a política atua - a RODA? Seria congregar? Seria o bem comum? Seria a formação dos capoeiras para a construção de uma visão crítica e emancipatória ao seu redor? Seria então para ter um "clã" sobre seu domínio e abuso de poder? Seria para adquirir em favor de benefício próprio, esquecendo de REPRESENTAR caminhos de prosperidade para seu coletivo?
 
Boas e intrigantes perguntas. Me fizeram começar a refletir e compreender mais sobre a "política", sua missão e como ela deve ser gerida, e como ela também pode ser desviada, a depender dos objetivos de quem a conduz, servindo a diferentes propósitos que não representem um coletivo.
 
Ou seja, quando alguém têm a oportunidade de representar um conjunto de indivíduos, suas idéias, suas necessidades, bem como gerenciar os negócios públicos, jamais pode monopolizar o “fazer” da política, este “Fazer” deve ficar a cargo, ou subordinado aos interesses de todos os integrantes do coletivo, da comunidade, do município, da unidade e do Estado.
 
Assim comecei a entender que política é responsabilidade de todas as pessoas representadas, pois serve a todas elas! Assim comecei a entender também que não era a "política que não prestava", como disse no começo deste texto, e sim, a POLITICAGEM.

Ainda segundo o dicionário Michaelis, Politicagem, termo pejorativo, significa a "Política de baixo nível, voltada para os interesses pessoais, de troca de favores, ou de realizações insignificantes". Seria como em uma roda, nosso representante máximo - o/a mestre/a, beneficiar um aluno em detrimento de outros por troca de favores - financeiros, logísticos, afetivos, etc; ou utilizar-se do grupo de alunos para conseguir benefícios particulares, esquecendo de que estes benefícios devem servir ao coletivo; ou por último, algum aluno mais velho, ou mais influente, que passe a gerenciar os interesses de um antigo mestre - por sua idade avançada, e passar a se beneficiar deste lugar em benefício próprio.... enfim, cabe a tantas situações infelizmente, que nem consigo enumerá-las.
 
Nesta mesma linha da politicagem, invariavelmente, temos escutado que os "fins justificam os meios", ou seja, seria legítimo "manipular" o resultado de um edital publico para a capoeira, em favor de "A" ou "B", sob a premissa de que este ou aquele "precisa mais".... Perdão, mas um ERRO não justifica outro. Algo muito atual semelhante acontece quando escuto alguém falar que "precisamos decidir pelos antigos mestres", pois estes não possuem consciência critica política... Lamentável!! Enfim, cabe aqui a reflexão de que quando burlamos as estruturas de encaminhamentos da política, abrimos um precedente que, invariavelmente, poderemos ser vítimas em um futuro próximo, pois, "pau que dá em Chico, dá em Francisco".
 
Escutei um sujeito falar que "em um sistema injusto era legítimo usar todas as armas para beneficiar uma dada causa", isso tudo foi feito, a partir um discurso "inflamado" e "rancoroso", transformando a "roda de capoeira" em uma espécie de veículo para recrutamento de novos soldados ideológicos para a causa defendida pelo autor da fala, contudo, após o discurso eloqüente, quando a capoeira foi iniciada no "chão da roda", não percebi a "militância" emergindo/fluindo do berimbau bem tocado, do jogo cadenciada e/ou da cantiga entoada com o conteúdo crítico da emancipação humana. Assim, percebi que para eficácia da POLITICA na capoeira precisamos "vesti-la" da ritualística ancestral que compõe a dinâmica cultural, pois fora disso, só teremos a velha politicagem travestida falsamente de política boazinha.
 
O capoeira politizado não pode se estruturar fora do POLITICO "CAPOEIRIZADO", aquele que faz o berimbau "gritar" por dias melhores, aquele que seu jogo é a materialização de uma mobilidade subversiva, aquele que seu canto faz pensar para além das denúncias óbvias, trazendo para si e para os outros, o embrião de um mundo mais justo e emancipado, considerando uma lida cotidiana em que "fazemos aprendendo" e "aprendemos fazendo".

Tocando uma cavalaria, em alerta máximo, conclamo a todos revisitarem seu conceito de política, ampliando-o, para que possamos assim, vestir nossa indumentária e seguir fazendo política na capoeira, não politicagem! Participem! Elejam com consciência quem será seu representante! E se você é capoeira, se possível, seja representado por um capoeira, legítimo, reconhecido, de boa índole e de boa fé!

Axé!

Ei, psiu, gostou? Então compartilhe, ajude a capoeira a refletir!

Ouça o áudio no link https://soundcloud.com/mestra-brisa-carolina-magalhaes/texto-15_a-politica-e-a

6 de mar. de 2021

Live em comemoração dos 35 anos de Capoeira em Lages, Santa Catarina...

Homenagem da Academia Clips de Capoeira ao dia Internacional da Mulher!


É com grande felicidade que recebo a homenagem da Academia Clips de Capoeira em Amargosa, pelas iniciativa do mestre Gilson, ao dia Internacional da Mulher!

Momentos como estes, lembramos o tamanho do caminho percorrido, sem esquecer que a condição de aprendiz deve continuar nos conduzindo!

Axé!

5 de mar. de 2021

Live da GUETO Capoeira_ Os desafios do século XXI e as contribuições da Capoeira

Foi muito produtiva... Falamos de Capoeira como educação, na pandemia, nas questões de gênero, como filosofia de vida... Muito rica, vale a pena assistir!

Assista a live no YouTube clicando neste link: https://www.youtube.com/watch?v=y_tlSYPiWjk

1 de mar. de 2021

O "CAPOEIRA 100%": potencialidades e desafios de uma vida de dedicação exclusiva...

Por: Mestra Brisa e Mestre Jean Pangolin

Hoje em dia escuto muita gente falando sobre ter que ser "capoeira 100%"... Observem, até eu já falei muitas vezes isso, querendo fazer a defesa de que o capoeirista deve dar exclusividade a capoeira, conectando todos os campos da sua vida à esta arte. Porém, hoje me pergunto quais os desafios e potencialidades desta escolha? Trataremos neste texto sobre estas inquietações que, com certeza, são perguntas que nos fazemos ao longo da vida.

Na vida, muito do que desejamos depende de alguns fatores e competências para ser erguido, materializado... Entrega, planejamento, disciplina, "terreno fértil", são alguns elementos que reunidos alicerçam o progresso humano em qualquer área da vida. Com a capoeira não seria diferente. Para se estruturar uma vida próspera na capoeira, seja ela profissional, técnica e/ou filosoficamente, é preciso dedicar-se a compreendê-la, apreendendo seus conceitos, fundamentos, rituais, bem como suas relações com os diversos campos da vida humana (ciências sociais, humanas, saúde, exatas e suas aplicações). 

Neste caminho, o capoeira que tem este desejo, passa a estabelecer uma busca de "ver, sentir, apreciar" a capoeira em tudo ao seu redor. Passa a correlacioná-la, por exemplo: - em sua vida profissional e financeira: ministrando aulas, cursos e palestras, produzindo e fazendo shows, confeccionando e vendendo instrumentos,  administrando associações/centros de treinamento, escrevendo livros, realizando eventos, produzindo canais de informações na internet...; - em sua vida afetiva e familiar: se relacionando com um outro(a) capoeira ou envolvendo seu/sua companheiro(a) na lida com esta arte, relacionando o cotidiano familiar com a capoeira, tendo filhos/as capoeiristas...;  - em seus momentos de lazer, de estudo, de religiosidade... Tudo passa a girar em torno da capoeira... 

Quanta riqueza de relações estabelecidas, hein?!! Uma teia de entrelaçamentos que nos fortalece enquanto capoeiras, importante, sobretudo, quando vivemos em uma sociedade que ainda não valoriza nossa capoeira, sem reconhecer seu alto poder educativo, inclusivo, socializador e emancipatório. Porém, é preciso refletir sobre um outro lado...

Nesta defesa do "capoeira 100%", acima desenhado, sempre me intrigou a crítica/auto-crítica ferrenha feita ao "capoeira vivido", que sempre experimentou outras experiências fora da capoeira, ambientes outros que carregavam tamanha riqueza dentro da formação humana no campo das artes, cultura, turismo, relações humanas, psicologia, tais como: ir ao teatro, à shows, visitar diferentes lugares como paraísos tropicais, cidades históricas, conhecer culturas diferentes, cozinhar e comer comidas saborosas em lugares especiais, educar e curtir os filhos em espaços de lazer/estudo/ócio, dialogar com outras culturas populares, fazer um esporte diferente ou terapias alternativas, dançar, olhar o mundo por uma outra ótica que não a apresentada pela cultura da capoeira. Tudo isso também é enriquecedor, inclusive aporta ao cotidiano de um capoeirista, a maturidade para reconhecer a riqueza da capoeira e da vida. 

Tenho visto muitos críticos que dizem: -Ela/ele não é "100% capoeira", mas o que de fato seria bom pro capoeira e para a arte capoeira? 

Lembremos que, mesmo focando a discussão presente no âmbito da arte capoeira, não podemos ser ingênuos de pensar que a resposta está, exclusivamente, na capoeiragem em si, visto que qualquer prática humana sofre a influência de seu tempo histórico e seus desafios de leitura da realidade. Neste sentido, é necessário refletir que a lógica de conhecimento multifacetado e centralizado na capacidade humana é um reflexo do pensamento renascentista em contraponto a Idade Média, que tinha Deus como centro de todas as coisas, ou seja, o que apresentamos aqui não é um conflito existencial novo, nem tão pouco exclusivo da comunidade de capoeira. 

Na perspectiva renascentista o formato de ser humano perfeito era aquele que conhecia todas as artes e todas as ciências, ou seja, multifacetado. Leonardo da Vinci foi o grande exemplo deste ideal, pois dominava várias ciências e artes plásticas, não estando vinculado, especificamente, a uma só área de conhecimento. Assim, fica fácil perceber que nossas inquietações sobre os defensores da "exclusividade" em capoeira, em linhas gerais e de forma análoga, pode representar um retorno ao pensamento restritivo e castrador da idade média.

O capoeira antes de tudo é um ser humano, ser social, quanto mais souber, mais aplicará com maestria em nossa arte, portanto convido aqui a pensarmos que extremos são perigosos, e anunciam inseguranças. Quem sabe o "capoeira 100%"  no sentido da dedicação exclusiva, não perca neste foco único e fechado, tantas compreensões análogas que enriquecem sua lida cotidiana? Passa a ser limitado, rígido, por não conhecer outras leituras, linguagens... A maioria dos momentos que vivi na vida, me aportaram a variedade de olhares que trouxe para interpretar a minha capoeira, enfim... Não é "traição" - conforme falam, o capoeira experimentar outras "cenas"...  "Traição" talvez seja manter-se alijado de experiências múltiplas vividas, ofertando à capoeira um pensamento sempre atrasado e monolítico de interpretação das coisas e das pessoas, na dinâmica das relações humanas em comunidade.

Finalizo afirmando que a postura mais "arriscosa" para a capoeira, talvez não esteja nem no "capoeira vivido", nem no "capoeira 100%", esteja mesmo no "capoeira baratino", descompromissado, aquele que vive de tudo menos a capoeira com a profundidade necessária, mas, mesmo assim tenta a todo custo reinvidicar as benesses do reconhecimento público capoeirano sem ter "farinha no saco"... 

Enfim... SE LIGUE!!!!! Na real, como falamos no início do texto, meu camarada "na vida só quem planta, colhe!", pois "a pedra de tropeço é o impulso para o avanço!", ou seja, sem as experiências da VIDA, sua capoeira MORRE!

Ei, psiu! Gostou? Então compartilha, pra que nossa capoeira possa refletir ...

https://portalcapoeira.com/capoeira/o-capoeira-100/

Ouça Texto 14_ CAPOEIRA 100% no #SoundCloud
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