12 de fev. de 2021

O CAPOEIRA "BUNDA DE CARURU"


 O CAPOEIRA "BUNDA DE CARURU"

Por: Mestra Brisa e Mestre Jean Pangolin



O caruru é uma comida típica daqui da Bahia, prato tradicional da festa de São Cosme e Damião e do orixá Iansã, de origem africana, possui uma consistência meio pastosa/mole, pela presença da "baba do quiabo" e outros ingredientes, e por isso, nas ruas sempre que se quer fazer referência a alguém medroso, excessivamente cuidadoso, mole para com as coisas da vida, dizemos....."bunda de caruru". Neste sentido, trataremos aqui sobre os capoeiras que não se permitem a "entrega" no jogo, aqueles que por temor ao desconhecido no desenrolar da roda, sentem uma ansiedade tão grande que não conseguem viver a experiência de vida com plenitude. 


A roda de capoeira muitas vezes funciona como uma "microcena" da vida, ou seja, as experiências da dinâmica do jogo na arte servem como fonte de saber para a lida com as situações do cotidiano. Assim, invariavelmente, estamos sempre rodeados de pessoas com comportamentos diferentes, sendo estes sempre fruto da história individual de cada ser, na relação com o outro e consigo mesmo. 


Também podemos ver a roda como um grande organismo social único, vivo e potente, mesmo considerando um cenário de diversas individualidades com limites e potencialidades, ou até com os dois juntos - o que pra mim seria o ideal, mas esta escolha depende muito de como cada capoeira vê a vida, focando numa perspectiva mais ampla, ou de forma mais seguimentada.

A partir de suas histórias individuais, as pessoas podem desenvolver ansiedades e/ou temores em virtude das experiências que tiveram acesso. Por exemplo, uma família superprotetora pode exceder em cuidados, privando seus membros de experiências que desenvolvam a autosegurança, gerando indivíduos inseguros que só aprenderam a temer os desafios do mundo. Desta forma, muitas vezes, essas inseguranças podem vir travestidas por relações de dependência dos pais, amigos e/ou namorada/o, gerando uma ansiedade frente a todas as situações em que são convocados pela vida a se posicionarem, ou seja, sempre que a pessoa está em um contexto em que não possui referências de enfrentamento, a fragilidade na lida com o poder se manifestará pela condição de inferioridade, indicando que o individuo “não é bom o suficiente” ou “não conseguirá sozinho” enfrentar a adversidade posta, criando, na maioria das vezes uma resposta de fuga e/ou vitimização, tendo a ansiedade como símbolo maior de despreparo para a vida.


Na capoeira vemos situações assim pra todo lado. Quantas vezes ao se deparar com uma roda mais forte, onde como se diz aqui na Bahia "só vai quem tem negócio", observamoss o/a capoeira esquecer de todo o conhecimento adquirido na lida com o ritual da roda, toda a bagagem experimentada nos anos de experiência, se colocando frente a roda como alguém impotente e incapaz? Não vou longe, não! Isso acontece também diante de um novo desafio de trabalho em capoeira numa área nova, seja ela de ensino, de show, de fabricação de instrumento ..., no qual a primeira resposta frente ao convite é "NÃO", muitas vezes em virtude da insegurança do NOVO. Ou no aprendizado de um movimento novo, no qual o indivíduo já anuncia internamente que é impossível de aprendê-lo, se colocando como incapaz. 

Muitas destas sensações de impotência podem nascer de fato por uma incompetência real, mas tratamos aqui do recuo imediato sem a mínima tentativa ou fundamento de ser, sem o mínimo estudo prévio sobre as reais chances de vencer tais demandas... Pois é... Muito disso, possivelmente, nasce de uma educação superprotetora, com abordagem cerceadora, que não estimula a autonomia e a autosuperação.


Para Carl Jung, psiquiatra e psicoterapeuta suíço que fundou a psicologia analítica, o medo e a ansiedade se manifestam como uma defesa a um risco em potencial ao Ego (significa a consciência, o “eu de cada um”, ou seja, a personalidade de cada indivíduo). O referido risco pode ser externo e objetivo, como algo relacionado a uma decisão de comprar financiado uma sede própria para treinamento, ou uma ameaça interna e subjetiva de capoeira por pensamentos negativos obsessivos, como, por exemplo, a impotência para um jogo mais complexo. Assim, em alguma medida, todos nós precisamos refletir sobre nossas decisões, mas isso não deve nos paralisar por medo, nem tão pouco gerar ansiedade.


Quantas vezes observamos jogos de capoeira tensos que não se desenvolvem, pois existe uma ansiedade de ambos os jogadores no que está "por vir", ou um deles não se permite "sair deste lugar de medo", não deixando o jogo fluir com leveza e naturalidade, simplesmente por temer ser "pego" pelo parceiro na roda. Na grande maioria das vezes, as pessoas tentam conviver com a ansiedade dos desdobramentos da vida, vivendo uma apreensão constante, buscando antecipar tudo, se prevenindo contra todas as possibilidades tangíveis de um futuro "negativo", ou imersos em inseguranças e dúvidas paralisantes, sempre na esperança de que alguém resolverá o problema delas, por uma dependência nociva de outras pessoas.


De um jeito ou de outro, a ansiedade nos projeta para um futuro que ainda não aconteceu, e pior, que pode não acontecer nunca, nos privando de - no PRESENTE - viver experiências maravilhosas em capoeira, sempre por estar "com o freio de mão puxado". Claro que dentro desta ENTREGA proposta, há riscos de viver jogos difíceis nos quais levaremos perdas para analisar, a posteriori, as falhas de nosso jogo, ou nos desafios das relações/diálogos no jogo .


Enfim, a moral da história é que primeiro, as nossas limitações e sucessos como ser humano, carregam muito do que vivemos nas relações com nossos responsáveis lá na infância. Segundo é que, mesmo sendo fruto do que a infância pôde nos contribuir, ainda estamos "vivos" para analisar e mudar e, neste sentido, a capoeira é um grande celeiro promotor de experiências para estudo e mudança de nossa psiquê! O convite aqui é para seguir em movimento para que possamos ser, SEMPRE, a melhor versão de nós mesmos.


Então...Vamos lá.... Sigamos o ditado que diz "Quem tem medo de cagar, não come"....

Axé!

Ouça Texto13_O Capoeira "bunda de caruru" de Mestra Brisa _ Carol Magalhães no #SoundCloud

https://soundcloud.app.goo.gl/EUAqx

Ei, psiu! Gostou? Então compartilhe para que nossa capoeira possa refletir!

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