19 de jul. de 2022

A NEGAÇA NO JOGO: um presente da capoeira baiana para o mundo.

Por: Mestra Brisa e Mestre Jean Pangolin Segundo o dicionário da Língua portuguesa, negaça , palavra de origem árabe hispânica, é um artifício utilizado para atrair, enganando ou iludindo, uma espécie de engodo ou isca, podendo ser um gesto, movimento ou comportamento para chamar a atenção ou provoca alguém. A essência do jogo da capoeira é a negaça, revelada no meneio de engano da ginga, no floreio com intenção perigosa, ou até mesmo em uma “mobilidade falaciosa” na qual o outro acredita piamente que faremos algo que jamais faríamos. E assim, surpreendemos pelo ataque inusitado, invadindo a guarda do parceiro como uma espécie de fio d’água que penetra a rachadura da rocha mais resistente. O objetivo principal da negaça é desnortear o parceiro de jogo, dá literalmente um “nó” em suas pernas ou em sua mente, enganando-o com trejeitos de um “corpo vivo” que “fala” com os quadris, os ombros, as mãos, os pés, a cabeça, enfim, com a união harmônica de tudo isso formando o que se chama de ‘jogo de corpo’, compondo assim uma dinâmica de “perguntas e respostas” corporais. No jogo negaceado, a gente só cansa quando vê o outro sem “respostas”, de “corpo aberto” por uma “guarda já vencida”. A negaça é realmente a essência da luta em capoeira, ou seja, quem negaceia com desenvoltura, destreza e habilidade, executa sempre seus golpes no momento preciso, com segurança e belicosidade, depois de ter “aberto a guarda do alheio”. Quem negaceia também esquiva com maestria dos golpes que recebe, pois usa a própria negaça em perspectiva fluida na mutação constante da “defesa em ataque” e do “ataque em defesa”, como um genuíno e impenetrável “diálogo de corpos”. Outro dia assisti a um jogo entre os mestres Brasília e Cobra Mansa. Que aula! Dois expoentes de nossa arte, dialogando com minúcia e destreza. Seus corpos conversavam na busca constante de abrir as brechas. Quando por vezes este momento acontecia, o outro já retornava com mais um elemento intrigante e dificultador. Efetivamente um “Jogo de negaças” onde a “negaça estava em jogo”! Grandes nomes das ciências humanas (a exemplo de Mikhail Bakhtin e Lev Vygotsky) apresentam o “diálogo” como uma ferramenta pedagógica na promoção da compreensão na relação humana, pois seus significados e sentidos são construídos na interação entre os sujeitos. Nesse sentido, a negaça em capoeira funciona como uma espécie de “ato pedagógico” em que a “palavra” é substituída pelo “movimento”, onde se estabelece uma “prática dialógica” pela corporeidade expressa em jogo, ampliando as possibilidades de aprendizado na relação com o outro. Pensando assim em um jogo truculento, sem meneios, sem enganação, ou seja, di-re-to, sem negaça, a metáfora do diálogo não acontece em sua plenitude, pois a lógica ancestral de “jogar com” cede lugar ao “jogar contra”, com a necessidade precípua de subjugar o outro, transformando o parceiro de jogo em “adversário de peleja”, e conseqüentemente “matando” a negaça. Percebam que quanto mais rígido, previsível e declarados são os corpos e as intenções em um jogo, menos clássicos estes jogos se revelam. Quando falo clássico, falo dos jogos com destreza, maestria, sabedoria acumulada na constante lida entre o imprevisível e o poder criativo do corpo humano. Quando a mestra lhe diz: “Balança esse corpo, menina” ou até “Preciso do todo o seu ‘corpo vivo, rapaz’”, trocando em miúdos, está lhe pedindo pra aprender a usar todo o seu corpo em harmonia na difícil lida do jogo de capoeira. Nesta brincadeira, mantenha seus braços e ombros livres e atentos, cintura pronta pra disparar o golpe que precisar, de onde puder tirar, todo o corpo em diálogo com o outro, antecipando e construindo a negaça em ato. É da finta, aparentemente ingênua, que sai a “pergunta” mais difícil pra sua parceira de jogo. É do “jiká” em ação, balanço quase hipnótico de ombros, que rompe o golpe que derrubou o outro, despreparado por que se perdeu olhando pra onde você queria, e ele não devia. Compreenda esse grande jogo de estratégia que é a negaça, e você estará com “todas as cartas” em mãos. Tendo a Bahia, sido a fonte inspiradora, mãe zelosa desta capoeira jogada em roda, ritual carregado de ancestralidade, musicalidade, ludicidade e energia vital, ofertou ao mundo a NEGAÇA como forma de ensinar, aos seus filhos e filhas, a estratégia de, em constante diálogo, sinalizar a uns, suas brechas, e a outros, o invisível aos olhos. Axé! Ei, psiu! Gostou? Então compartilhe, ajude a capoeira a refletir! aSSISTA NO YOUTUBE: https://youtu.be/lQmrKH_M8R4

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