Axé!
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Missão dada, missão cumprida!
Grata pelo convite!
Lives com a Mestra BRISA neste período pandêmico _ MAIO a OUTUBRO/2020
Live com a Mestra Brisa.
Por: Mestra Brisa e Mestre Jean Pangolin
A reflexão que se segue tentará aliar alguns princípios que devem reger nossas vidas e como estes podem se interligar com a dinâmica de armar um bom berimbau. Desta forma, tentaremos expor algumas possíveis metáforas da capoeira na vida.
Inicialmente, logo de partida, é preciso lembrar que para armar um bom berimbau teremos, antecipadamente, que escolher as partes que o compõem com grande cautela, pois se a biriba não casar bem com a cabaça, todo o processo de armação será ineficiente para harmonização do instrumento, ou seja, trazendo para a vida, antes do passo em direção a construção de algo, é fundamental verificar se as "partes" que se juntam na ação podem se "encaixar perfeitamente", talvez por isso tantos casais, sabiamente, namorem por um tempo antes de firmar compromisso de matrimônio.
Ainda tratando das partes, vamos falar da biriba... Uma biriba de boa qualidade precisa ser bem feita, descascada, lixada, cuidada e "amaciada" pelo uso, pois apenas nessa lida, com as intempéries do dia a dia, ela poderá se transformar na biriba ideal, que por mais enfeitada que seja, será sempre qualificada de verdade pela harmonização com outra parte, a cabaça. Assim, como na vida, cada pessoa precisa ser mais do que os enfeites que carrega e da aparência que apresenta, pois sua real beleza sempre estará na capacidade de lidar com a diferença, e semelhante a biriba, é o tempo REI que se encarrega de nos burilar com as provações necessárias para atingirmos a tal beleza REAL, aquela que não se vende na esquina, mas que adorna corações sensíveis ao bem.
Armar um berimbau exige TEMPERANÇA, CUIDADO e EQUILÍBRIO no uso da força, pois qualquer movimento mais desatento poderá romper a integridade de alguma das partes do conjunto. Levando este ensinamento para a vida, essas são qualidades fundamentais no exercício de viver em comunidade, pois como dizem as escrituras sagradas "Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra" (Mateus 5:5)... A analogia com a bíblia, para além de uma interpretação rasa em proselitismo religioso, é trazida, pois fundamenta a lógica de que na "construção" de qualquer obra, é preciso calma e bom senso.
O líder religioso Dalai Lama afirma que "a paciência protege a nossa paz de espírito diante da adversidade. É uma resposta deliberada às fortes emoções e aos pensamentos negativos que tendem a surgir quando encontramos algo que nos faz mal". Neste sentido, reafirmamos que, como na vida, na arte capoeira, calçar a biriba em um bom lugar de apoio, fixar as mãos na altura da enfieira, colocar o joelho no centro da verga, cuidadosamente, em movimento simultâneo de pé, mãos e joelho, definitivamente é algo que nos exigirá concentração, uma boa dose de paciência e TEMPO, nos servindo como experiência viva do conselho do Mestre Dalai Lama.
Enfim, biriba e cabaça em harmonia, gerando o axé que mobiliza vidas em torno do ritual da roda, não são frutos do acaso, são fruto da reunião de diversos conhecimentos e valores ancestrais... Ou seja, temperança, cuidado, equilíbrio, paciência, atitude e perseverança são valores que, se reunidos, armam um bom instrumento, mas também erguem uma vida de prosperidade.
Se nós conseguirmos trazer os ensinamentos que a capoeira nos dá em cada ritual, em cada instrumento preparado e tocado, em cada jogo feito, aula dada, em cada evento ou viagem realizados, ou em cada dia em que não desistiu da arte, com certeza poderás dizer "a capoeira é minha filosofia de vida", com certeza poderá afirmar "eu sou a própria capoeira".
Axé!
Ouça grátis áudio deste texto:
https://soundcloud.com/mestra-brisa-carolina-magalhaes/texto-9-armando-o-berimbau-da
Por: Mestra Brisa e Mestre Jean Pangolin
Nascemos homens e mulheres, mas o mundo pode nos tornar, culturalmente, a expressão de uma caricatura mal resolvida de "macho ou fêmea", ou seja, somos mais do que a objetividade biológica determinada geneticamente. Neste sentido, me parece oportuno dialogar sobre a expressão desta tal "macheza" na arte capoeira.
A maioria dos homens é educado para ser truculento
e rude, como forma de expressão para conquista de seu espaço de poder, seja
este relacionado a outro homem, ou a uma mulher. Assim, invariavelmente, nos
transformamos em uma espécie de "ogro afetivo", em busca de uma
aceitação social, para um papel predeterminado que assegura uma
heteronormatividade e um patriarcado hegemônico.
Desde a mais tenra idade, sempre ouvi expressões
como: "homem não chora", "tem que brincar de luta",
"mulher gosta que pegue com força", "o homem é o esteio da
família", "o macho de verdade nunca brocha"....E por aí
vai....Ou seja, quem não se enquadra neste perfil de masculinidade tóxica, não
será digno da respeitabilidade social. Assim, concretamente, mesmo reconhecendo
todo o sofrimento social histórico das mulheres, me permito dizer que ser
"gente" neste mundo adoecido, é ruim para ambos os sexos.
Na capoeira este perfil adoecido esta por toda
parte, na truculência do jogo, na objetificação dos corpos, na
"sexualidade vazia", nas reflexões limitantes pela cor da pele e/ou
gênero, enfim, são muitos os exemplos nocivos ao fluxo das culturas populares,
e conseqüentemente na emancipação humana pela arte de matriz africana.
As pessoas na roda se transformaram em números de
"grupos-produto", não se conectam entre si, apenas disputam espaços
de poder, como uma odisséia desvairada em busca de uma significação social
validada por um determinado "coletivo", que faz da capoeira apenas um
veículo de exercício da neurose de pessoas "perdidas/encontradas"
pelo ódio adquirido numa vida de culpas e repressões.
Analise comigo... A capoeira, enquanto arte nascida
em terreno ocidental em diálogo direto diaspórico africano, guarda uma relação
de flerte tanto com a matriz africana, quanto com as forças do patriarcalismo,
um sistema social em que homens mantêm o poder primário. Nesse "jogo"
de relações, os valores civilizatórios africanos (circularidade,
ancestralidade, memória, axé - energia vital, musicalidade, etc) tendem a ceder
lugar para que a energia do masculino, modele nossas ações dentro da arte
capoeira, construindo uma série de padrões adoecidos/tóxicos tanto para homens,
quanto para mulheres.
Mas isso quer dizer que a energia masculina é
perigosa? é ruim? Definitivamente, NÃO! Dentro de homens e mulheres, segundo
estudos na área da psicologia, coexistem as duas energias, sendo a energia do
masculino, relacionada a força da ação, razão, da exposição, tendo o astro-rei
Sol como símbolo, e a energia do feminino, relacionada a força do sentir, do
recolhimento, do anoitecer, do inverno, ligada a Lua. Ou seja, se nossa
sociedade reconhece e valoriza a força masculina, negligenciando e
discriminando tudo que se relaciona a força do feminino, como exigir que
possamos nos olhar dentro de uma roda, sem predispor a disputa de poder neste
local?
Nesta mesma linha de raciocínio, como exigir que
numa roda de capoeira que tenhamos a sensibilidade para uma atitude educada,
sensível, humanizada e cortês, se na exacerbação do masculino, tudo que é
validado é o comportamento agressivo, bruto e concorrente? Se, ao ser cortês, o
homem é tido como fraco e não-viril, e a mulher é promíscua e disponível.
Este exemplo nos convoca a pensar num movimento que
possa fazer um contraponto a este grande desequilíbrio estrutural, naturalizado
em nossa comunidade. O primeiro é um movimento de RECONHECIMENTO destas forças
que habitam em cada um de nós, e que se sufocadas (o feminino em mulheres e
homens) trarão sempre o adoecimento das pessoas por não poderem se permitir a
harmonia.
E o segundo movimento será o de estabelecer um JOGO
DE CAPOEIRA, dialógico e às vezes tenso, com os padrões sociais estabelecidos
para homens e mulheres, revendo os que forem nocivos e que subordinam seres
humanos pela competição desleal, autoritarismo, hierarquização das relações,
truculência e falta de diálogo ou de recuo.
No final das contas é dizer que a energia feminina
que mobiliza o RECUO, não configura a perda, e que a energia masculina que
projeta o AVANÇO, nem sempre garante o ganho, pois tudo é parte de um meneio de
"jogo" na vida, vislumbrando dias melhores!
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Os Capoeiras e a "Boca
Torta" pelo Costume do Cachimbo:
A naturalização das aberrações
Por: Mestra Brisa e Mestre Jean Pangolin
Como já dizia minha vó...."o
costume do cachimbo deixa a boca torta", e neste mesmo sentido, penso que
a naturalização de alguns comportamentos na capoeira também criou uma espécie
de desvio tortuoso daquilo que deveria ser regido pelo bom senso. Assim, discorreremos
abaixo sobre a natureza destes comportamentos nocivos a arte.
Vamos lá... Um primeiro comportamento
muito freqüente entre alguns capoeiras é a "fofoca", o
"disse-me-disse", muitas vezes tão observado que parece até ser um
elemento identitário, quando de fato é apenas mais um comportamento humano
desprezível, pois, invariavelmente, quem fala mal de alguém para você, quase
sempre falará mal de você para os outros. Assim, aprenda de uma vez por todas
que o antídoto para a fofoca é parar o fofoqueiro, se recusando a ouví-lo...
Dizendo..."não me interessa".....sorrindo e saindo de perto...
Um segundo comportamento é a inveja,
um outro comportamento feio, pois consome o invejoso por uma energia
paralisante e não agrega nada de positivo para a comunidade. Como já dizia o
grande mestre Riachão do samba... "A inveja tem quatro olhos, a inveja não
vive bem, a inveja berço da incapacidade, vive com maldade, roubando o sossego
de alguém". Desta forma, o invejoso sempre vive como um parasita da vida
alheia, uma espécie de sanguessuga que nada produz e vive de criticar a
construção do outro... Lembre minha amiga, meu irmão! O melhor remédio para a
inveja é o TRABALHO e o esquecimento para estas pessoas, e logo verá todas elas
ficando para trás, afundando na "lama", e sua vida... haha!... sua
vida prosperando!
Um terceiro comportamento digno
de tristeza é o uso de drogas. Estas substâncias psicoativas, permitidas ou
não, são hoje um grande desafio para nossa comunidade, pois para muitos é
aceitável, pois faria parte das ações individuais e privadas, não cabendo o
crivo moral, social... Seeeeeráááááá? E pior, quando vemos que praticantes de
determinado estilo de capoeira já são socialmente associados ao uso de
determinado tipo de droga - o cachimbo da paz. Quanto equívoco! Penso no uso destas substâncias como um
dos grandes males de uma sociedade adoecida, em que o alívio das mazelas do dia-a-dia
precisa ser feito por uma desconexão da realidade, criando assim um exército de
"zumbis" culturais. Ainda pior quando este uso é protagonizado por
quem deveria ser, em tese, o tutor de crianças e mais jovens, educando pelo
exemplo positivo.... Lamentável...
Um quarto exemplo, só pra não "esquecer
de lembrar"... O ajuntamento em "grupinhos", é outra grande
dificuldade da comunidade, pois enfraquecem o sentido UBUNTU, filosofia
africana que diz que "SOU porquê SOMOS", e desarmonizam as relações
com a diversidade, criando uma "luta" entre excluídos que se tornaram
semelhantes ao pior dos excludentes da classe dominante, ou seja, muitas vezes
estes coletivos não se percebem manipulados pelo opressor para enfraquecer a
"luta" contra os verdadeiros donos do capital. E assim... a cor da
pele, o gênero, a orientação sexual, acabam sendo pontos de "desencontros",
quando poderiam ser a grande ferramenta de "encontro" pela percepção
de que todas essas ditas minorias são exploradas pelo modo de produção que
"coisifica" todos em favor do lucro.
Só pra não esquecer, um quinto e
último comportamento... A defesa e cooptação dos capoeiras, por uma política
partidária, predatória e manipuladora, é um mal terrível nos dias atuais, pois
tenta a todo custo "arrebanhar" os menos críticos para projetos de
poder que enganam o povo, dizendo ser a luta pelo bem comum, sendo na verdade
em favor do "umbigo" dos donos de discursos
"revolucionários", que, na maioria das vezes, não conseguem nem
alterar a obscuridade da própria vida, mas insistem em transformar o
"mundo do outro" com receitas prontas.
Enfim, 05 exemplos de comportamentos
humanos que hoje só projetam a nossa arte pro fundo do poço... Eu poderia
seguir descrevendo diversos outros conflitos naturalizados como
"normais", cachimbos que deixam nossa "boca torta", mas por
hora irei chamar o jogo... O berimbau não quer mais falar... Pra terminar
pergunto... Você é mestre? Está a caminho da mestria? Então me diz... jogarás
este "cachimbo" longe? ou seguirás como citado nas escrituras
sagradas "vendo o cisco no olho do teu irmão e sem reparar a trave que
está no teu próprio olho"?
Axé!
Ei, psiu... Gostou?
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Ser Referência: a ancestralidade como caminho!
Por: Mestra Brisa e mestre Jean
Pangolin
Há tempos venho pensando na
difícil e complexa tarefa de ser referência
No dicionário online a palavra Referência, do latim referentia, tem como um dos seus significados o "Conjunto de qualidades ou características tomado como modelo". Na capoeira, não é diferente, a referência lança-se como um guia, alguém que angariou conhecimentos que fundamentam esta arte.
Desde quando entrei na capoeira, até os dias atuais, sempre escutei os mais antigos falarem: "Menina, tem que seguir os mais antigos!", "Me diga quem é teu/tua mestre/a?, "Calça de homem, não dá em menino", ou ditos que sempre anunciam a reverência ao mais antigo para ensinar os caminhos.
Mas, qualquer antigo é boa referência? Digo isso, pois existem diversos comportamentos humanos das gerações passadas, que por uma compreensão mais amadurecida, e/ou uma transformação social vigente, já não são mais cabíveis na atualidade, tais como o autoritarismo no processo pedagógico, ou o uso de bebidas alcoólicas antes de adentrar o universo da roda, ou até o uso da figura mítica do mestre para violar intimidades dos discípulos. Enfim, nem tudo que é velho, é boa referência, ainda que possa estar dentro de parte do comportamento ancestral.
Logo acima, provocamos a indagação sobre os sinais para reconhecer uma referência estruturada na capoeira dos mais antigos mestres e mestras desta arte. Neste sentido, um primeiro passo é filtrar comportamentos humanos considerando os princípios de uma cosmovisão africana "abrasileirada", estruturada na ancestralidade, memória, "aprender fazendo", circularidade, oralidade, cooperativismo, musicalidade, corporeidade e axé, sendo que, todos estes princípios, devem ser adequados as necessidades dos dias atuais, ressignificando-os por uma funcionalidade a serviço do coletivo.
Pensando em exemplos no cotidiano da arte, podemos analisar a pertinência e referência de um antigo quando ele é a expressão viva dos seus ancestrais... Quando carrega dentro de sua oralidade as memórias da capoeira, seus causos, contos vividos na perigosa lida nas rodas de rua ou festa de largo, ou seja, ele É a própria capoeira... Quando no cantar, no tocar, na condução de uma roda, a antiga mestra revela toda a sabedoria oriunda do seu velho e sábio fazer, sendo a expressão viva de sua comunidade!... Quando, por fim, o antigo comunica a mudança ritualística da dinâmica de jogo sem emitir uma única palavra, utilizando apenas o berimbau como signo da conversa entre os capoeiras da roda, e o melhor... é por todos compreendido, confirmando que aquele lugar TEM AXÉ!
Na certeza de que somos o somatório das experiências vividas com todos os indivíduos e coisas que nos relacionamos, paira a dúvida... É possível ter uma única referência? Qual a diferença entre ter uma referência e lançar-se a repetir um padrão? .... Talvez, num delírio platônico seja necessário um equilibrar-se na corda bamba de fio de seda, que, de tão tênue, nos convoca a um constante movimento em favor da multiplicidade de inspirações que nos remetem a constituir nossa referência em capoeira, ou seja, seremos sempre fruto do contexto em que fomos forjados na cena cultural do fazer "capoeirano".
Seria simples dizer que minha referência na cantiga é Waldemar da Paixão, mas isso seria uma tremenda injustiça com mestre Ezequiel, mestre Paulo dos Anjos, mestre Bigodinho e tantos outros que compõem o conjunto daquilo que chamo de minha referência musical... Seria tão fácil dizer que no jogo minha referência é mestre Durval Ferro Velho, mas isso seria injusto com os mestres Camisa Roxa, Joel, Mário Bom Cabrito, dentre outros. Por isso, me percebo em alguns momentos, acatando a fluidez e o flerte com as múltiplas referências que adentram a composição da minha capoeira.
Por fim, dizer o motivo da importância de termos referências em capoeira... É simples... É preciso mantermos VIVO o legado ancestral, e isso se dá quando nos colocamos como elo referencial entre o antigo e o novo, reforçando a ideia de "velho" no novo e "novo" no velho.
Iê! viva os antigos, camará!
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A
"velha capoeira" morreu?
Por: Mestra Brisa e Mestre Jean Pangolin
A resposta para a pergunta do título carece de um cuidado reflexivo grande, pois, salvo melhor juízo, poderemos nos precipitar em ódio ou em jargões para responder, e isso só irá confundir a análise mais ainda, considerando a negação de que o "velho" deve estar no novo, e o "novo" deve estar no velho. Convidamos vocês a reflexão a seguir.
Quando pensamos na "velha capoeira" nos lembramos, invariavelmente, dos antigos mestres da arte, logo, pela ciência de que não existe ancestralidade sem a referência direta e/ou indireta deles, não é possível que a "velha capoeira" tenha morrido, pois os antigos são o sustentáculo da capoeiragem e seguem vivos fisicamente e em filosofia para muitos de nós.
Outro aspecto importante é que, para muitos, todo o cabedal ancestral de herança dos antigos figura como algo do passado, ultrapassado, arcaico e sem valor. Neste sentido, para estas pessoas, de fato a "velha capoeira" morreu, pois os princípios defendidos por uma referência ancestral foram paulatinamente sendo preteridos em função de uma economia de mercado e em favor do lucro.
Para várias pessoas a "velha capoeira" já morreu faz tempo, portanto, sejamos maduros criticamente, pois de nada serve ficar com raiva quando alguém diz: "A velha capoeira morreu", e continuar matando os antigos dentro de nós, com uma indignação FAKE, na qual desejamos SALVAR o "mestre antigo de lá de longe", mas não conseguimos perceber a necessidade de nosso próprio mestre.
Para matar a "velha capoeira" basta não se referenciar nos antigos no jogo, no toque, no canto, na filosofia, basta acreditar, por exemplo, que formações online podem substituir a força do ensinamento presencial deles. Neste sentido, são muitos os sinais de que estamos, nós mesmos, matando a "velha capoeira". Quer saber mais? Quando seu cantar tem mais de Roberto Carlos, ou de um famoso qualquer que sustente a voz com longos graves ou agudos, do que o balanço melódico de Mestre Boca Rica, ou a força da oralidade da cantiga do Mestre Waldemar da Paixão...
Quando você está mais preocupado em qual sequência de movimentos irá realizar no jogo A ou B, do que na compreensão do que rege a lógica de jogo de um mestre Camisa Roxa, sempre com entradas e saídas inusitadas e perigosas. Quando mais importa apontar os defeitos dos companheiros da arte, do que entender como o mestre João Pequeno de Pastinha conseguia reunir tantas diferenças em um único salão, garantindo a premissa do respeito mútuo.
Se a velha capoeira morreu, pensemos numa sessão espírita, na qual invocamos a espiritualidade dos mais antigos pelo médium presente. Neste exercício imaginativo, te convido a buscar o axé de uma boa roda, com a "mediunidade" de um berimbau bem tocado, como canal de comunicação com o mundo dos mortos... Te garanto, vai perceber a FORÇA e AXÉ desta velha capoeira, que julgas morta, mas que irá te embebecer de vida pela ancestralidade, ritualística dos antigos em ação.
Então, para aqueles que anunciam a nossa morte, nós lhe convocamos a visitarem o "mundo dos mortos" chamado Bahia... Aqui pra nós... O perigo será você não querer nunca mais voltar ao mundo dos vivos da "capoeira BIGMAC" pela força do axé - que vai amarrar seu pé, com negaça, mandinga, oralidade, memória, ancestralidade, circularidade e respeito a diversidade.
Axé!
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EVENTOS FEMININOS EM CAPOEIRA:
Concorda ou (SEM)corda?
Por: Mestra Brisa e Mestre Jean Pangolin
Diversas são as situações que nos convocam a aprofundarmos na reflexão sobre a atuação de homens e mulheres no âmbito da capoeira, considerando toda a lógica patriarcal que, invariavelmente, sufoca a atuação social de todas as pessoas em seu fazer cotidiano, enquadrando todos os padrões pré-estabelecidos para os mais variados comportamentos. Desta forma, tentaremos discorrer sobre algumas situações que tem emergido da realização de eventos femininos em Capoeira.
Ao longo dos anos, mulheres vem sofrendo com o cerceamento ou a subvalorização de seu potencial, sejam eles, na prática cotidiana, quando dos espaços em que ela é privada de exercício de sua cidadania, ou no microcenário da capoeira, sendo seu fazer condicionado a uma concessão do homem ou como estratégia de marketing... como por exemplo quando ofertam tempo no evento somente para mulheres jogarem entre si; quando sempre convidam alunos mais novos para ministrarem aulas, tendo uma mulher mais antiga e capacitada no mesmo espaço; quando revistas de capoeira expõem um símbolo sexual nacional da época "vestida" de capoeira (Tiazinha); ou quando, antigamente, alguns homens faziam rodas só com mulheres para atrair o público masculino.
Como entender estas ações? o que as motiva? Nos casos apresentados acredito que ao fazê-lo, o homem, que historicamente estrutura as ações em capoeira, pode estar tentando produzir um espaço de mediação para que mulheres "tomem coragem" e vão se empoderando, ou seja, uma estratégia positiva para a equidade, mas também, possivelmente, por trás destas ações, pode haver um exercício de "poder ou olhar patriarcal" em que o mesmo diz o "como será feito!" porque a mulher sozinha não conseguiria, sem contar os diversos processos de expressão da objetificação da mulher, entendida como produto de marketing.
Analisando esta realidade, com o tempo percebemos que a mesma estratégia de "mediação" passa a produzir um efeito contrário ou difuso, ainda que a intenção não me pareça a mesma, pois se antes uma pequena parte do evento era destinada ao desfrute exclusivo de mulheres, agora os eventos passam a ser somente produzido pelas/para as mesmas... Neste sentido, são perceptíveis os efeitos de propagação destes encontros exclusivos, que nascem talvez, por uma demanda reprimida de lugares de protagonismo feminino na capoeira.
É problema? Eventos femininos são negativos? Não... Absolutamente!... Desde que sejam entendidos como processos de mediação para a construção da tão sonhada equidade entre homens e mulheres, ou seja, SE estes processos promoverem ou forem defensores de espaços de exclusão do homem, não servirão ao propósito de garantir a mulher a tão desejada condição de estar em rodas de capoeira em paridade social... Sempre entendi estes eventos como preparatórios para que mulheres e homens pudessem, por exemplo, compor uma charanga da regional ou uma bateria de angola, tocando com a firmeza e respeitabilidade que a cultura popular merece.
É preciso refletir sobre os (des)caminhos que, porventura, os eventos possam estar tomando, considerando "SE" estes eventos estão de fato construindo um caminho de conhecimento, que harmonize as relações e o trato com os homens em nossas rodas de capoeira...? Se não está a serviço da construção de lugares APENAS para trato com dores, rancores e mazelas do machismo estrutural que nos assola?... Fato concreto é que precisamos observar que é importante o trato destas questões femininas e sociais, sem no entanto, deixar de trazer o foco para o elemento comum que nos une, a capoeira!
A negação das reflexões acima poderá nos levar há um lugar perigoso, chamado de sexismo ou discriminação de gênero, que segundo sua definição é um juízo de valor pré-estabelecido ou discriminação baseada na condição de gênero ou sexo de uma pessoa, no qual mulheres são mais prejudicadas, portanto, mais do que a realização dos eventos em si, é preciso pensar a serviço "de quem e de que" o mesmo se estrutura?
Então? Uma sugestão... Que tal valorizar mais ainda a transição de eventos femininos de capoeira por EVENTOS DE CAPOEIRA COM PROTAGONISMO DO FEMININO? Assim, acredito ser possível redimensionar a estrutura social desigual para mulheres a partir do exemplo VIVO que brota das mãos de tantas Dandaras, Márcias, Nzingas, Paulas, Marias, Estelas da nossa arte...
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O CAPOEIRA "BARATINO":
A "falação" como escudo da incompetência na arte...
Por: Mestra Brisa e Mestre Jean Pangolin
Todos os dias somos bombardeadas por uma enxurrada de falas sobre a capoeira, sendo estas, na maioria das vezes, protagonizadas por pessoas que não possuem uma efetiva organicidade/envolvimento mais direto com a arte, fato que compromete estruturalmente um saber que é constituído eminentemente enquanto fruto da experiência vivida. Neste sentido, trataremos abaixo sobre algumas reflexões em torno da palavra dita e não-emergente da experiência vivida em capoeira.
Como é possível descrever o arrepio que sentimos ao escutar mestre Boca Rica, sem nunca tê-lo ouvido? Como é possível falar sobre a sensação de vazio e surpresa frente a rasteira recebida, sem nunca tê-la experimentado? Como sistematizar a experiência de um pôr do Sol no sítio Iemanjá em Paripe (Salvador/Bahia) ao lado do mestre Ângelo Augusto Decânio, ou somente como chamávamos, "Deca", sem ter "bagagem"/respeitabilidade pra estar naquele lugar?... Sem dúvidas, é pouco provável que consigamos encaixotar a experiência vivida da arte capoeira no discurso do "falador/a", pois os aprendizados que brotam destas experiências são as sementes do saber filosófico emanado pela capoeira e reverberado na vida em comunidade.
Obviamente, nos cabe diferenciar a oralidade, daquilo que é a "verborréia desmedida", pois a primeira é um princípio afrodescendente fundante, e este, mesmo fazendo uso da mecânica da fala como o segundo, em nada se aproxima das aberrações apresentadas atualmente nas falas de "garganteiros/as", que pela ausência de uma vida dedicada ao cantar, jogar, tocar, ensinar, em imersão ritualística, não possuem os subsídios necessários para trilharem o caminho da sabedoria que descortina o cotidiano e seus desafios.
Vou trazer exemplos para ilustrar o que pretendo falar... Atualmente, no auge do uso das tecnologias virtuais, em virtude de uma pandemia mundial que confinou seres humanos em suas residências, vejo brotar uma série de pessoas falando sobre capoeira, tratando de coisas que em nada dialogam com a vivência da capoeira, exercitando uma vaidade, mascarando uma profunda ignorância sobre o "fazer capoeira" que as expõem como "sabedoras" para leigos, e como alienígenas para quem vive esta arte "por dentro".
De tudo tenho visto: pessoas falando que o berimbau é indígena... Que a capoeira é religião... Que a capoeira enquanto arte, tem uma ideologia política... Pessoas defendendo capoeira só para homens, outras só para mulheres... Pessoas contando "histórias da carochinha"... ou simplesmente usando da frieza e potencialidade destas plataformas digitais para manipular coletivos de "garganteiros" e desavisados, cumprindo um desserviço para nossa nobre arte capoeira...
Fico me perguntando o que fazer neste emaranhado de encontrados/perdidos? Penso que um encaminhamento possível seja utilizar a própria capoeira como filtro dos capoeiras, ou seja, tendo a paciência necessária para a "volta ao mundo", aguardando a "compra" do próximo jogo que separará o "joio do trigo", revelando os farçantes e apresentando os que "têm bala na agulha".
Te pergunto então: quem é você? de onde vem sua fala? de intrigantes anos de mergulho profundo na dor e delícia de ser Capoeira ou de uma vida de esconderijos que lhe protegeram/impediram de hoje produzir uma fala assentada no "chão da roda"?
Axé!
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O LUGAR (IN)COMUM DA MULHER NA CAPOEIRA
Por: Mestra Brisa
Há tempos, ou por toda a minha
trajetória, tenho sido convidada para fazer falas
Peço, no entanto, que a força do feminino que habita em cada um de nós, da sedutora e intuitiva mãe Oxum, possa abençoar meus dedos a fazer uma escrita sensata, sensível e antenada com o mundo que acredito, um mundo de homens e mulheres vivendo juntos e em harmonia, demonstrando a sabedoria da equidade, do feminino e do masculino em ato e amor.
Então... quando penso nos convites que recebi e dei conta, revelam-se muitas dúvidas, outras tantas certezas que circundam o pensamento sobre a formação de mulheres em capoeira.
Nas dúvidas, acredito que perguntas como: Será que ela tem competências em capoeira? Como será que foi o percurso formativo desta mestra? Será que ela vive o mesmo universo que o meu? Será que de fato ela vive, com a mesma intensidade, as cobranças que são feitas aos homens diante dos elementos que fundamentam a capoeira? Será que não foi uma graduação de benevolência do seu mestre, que por vezes pode ser também seu esposo? Será que não "entrou pela janela"?
Nas certezas, seguem convicções como: Vou enxertar a programação com esta mestra para afastar o discurso de que sou machista e não dou vez a mulher!... Se ela for fraca, é mulher mesmo!... Vou pedir a ela pra contar sua trajetória de vida, pois, sabendo que mulheres são frágeis e incompetentes, ela preencherá o tempo destinado a esta concessão no evento "contando histórias" e o resto eu preencho com "capoeira de verdade", protagonizado pelos companheiros que convidei! ...
Entre dúvidas e certezas, sempre está a baixa expectativa do meu potencial enquanto capoeirista... Se há culpados? Com certeza! Mas prefiro crer que mais que encontrá-los/las posso anunciar saídas... Entre as dúvidas e certezas, que prefiro conceituar de certezas provisórias, mora a brecha da possibilidade de encontrar em mim mais do que uma contadora de história de vida.
Se ao invés das motivações descritas acima você me convidar para apresentar os saberes que me constituem enquanto mestra, poderá identificar a qualidade, ou não, de minha formação, cada passo que dei para conquistar este lugar de fala - o lugar de conhecedora da arte capoeira... Cada toque que fiz e refiz para alcançar o alto nível em meu tocar... Cada cantiga que entoei, de diferentes mestres antigos que escutei para dar vida ao meu canto... Cada aluno que toquei nas mãos para fazer nascer o brilho e encanto pela capoeira... Cada evento que produzi, para ver a capoeira se estabelecendo enquanto ferramenta de formação humana... Cada roda que experimentei pelo mundo afora, vivenciando a vida por dentro do jogo e o jogo por dentro da vida...
Em qualquer arte, ou campo do conhecimento, semelhante a capoeira, nós somos reconhecidos pelo que produzimos, por isso convido a todos/as a refletirem porque com relação a mulheres e capoeira seria diferente? Não precisamos de concessões, precisamos de um convite, precedido de investigação sobre nosso "fazer capoeira", para que depois desta análise prévia, você se deixe encantar pelo que vamos apresentar aos seus alunos ou congressistas.
É claro que, neste caminho, encontrarás muitas mulheres que, tal como homens, se escondem em um discurso que nem sempre é acompanhado por uma prática que o sustente, uma berimbau que fale, uma cantiga que arrepie, nem um jogo bem jogado. Muitas vezes ao procurar sua palestrante ou oficineira, irás se deparar com mulheres que não experimentaram a capoeira com profundidade... que não sabem "nem pra onde vai, nem de onde vem" a capoeira... não conhecem seus antigos... suas manhas... nunca tocou, por exemplo, o toque de Iúna pra uma platéia de 100 pessoas, na charanga da regional, para dar vez ao jogo de formados com balões da cintura desprezada... ou não, nunca abriu uma roda de Capoeira Angola com uma ladainha bem entoada, contando a história de seus ancestrais... Isso é que separa o "jóio do trigo", isso é o que queremos dizer quando falamos "não tem farinha no saco", serve para mulheres e para homens...
Portanto capoeiras!... quando pensarem em uma mulher para compor o seu evento, pensem na capoeira que a preenche, pois assim estará assegurando a respeitabilidade por quem você convida, o berimbau bem tocado, a cantiga que arrepia e o jogo cadenciado, referenciado, agigantando a mulher na capoeira pela capoeira na mulher.
Axé!
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