Por: Mestra Brisa e Mestre Jean Pangolin
Nascemos homens e mulheres, mas o mundo pode nos tornar, culturalmente, a expressão de uma caricatura mal resolvida de "macho ou fêmea", ou seja, somos mais do que a objetividade biológica determinada geneticamente. Neste sentido, me parece oportuno dialogar sobre a expressão desta tal "macheza" na arte capoeira.
A maioria dos homens é educado para ser truculento
e rude, como forma de expressão para conquista de seu espaço de poder, seja
este relacionado a outro homem, ou a uma mulher. Assim, invariavelmente, nos
transformamos em uma espécie de "ogro afetivo", em busca de uma
aceitação social, para um papel predeterminado que assegura uma
heteronormatividade e um patriarcado hegemônico.
Desde a mais tenra idade, sempre ouvi expressões
como: "homem não chora", "tem que brincar de luta",
"mulher gosta que pegue com força", "o homem é o esteio da
família", "o macho de verdade nunca brocha"....E por aí
vai....Ou seja, quem não se enquadra neste perfil de masculinidade tóxica, não
será digno da respeitabilidade social. Assim, concretamente, mesmo reconhecendo
todo o sofrimento social histórico das mulheres, me permito dizer que ser
"gente" neste mundo adoecido, é ruim para ambos os sexos.
Na capoeira este perfil adoecido esta por toda
parte, na truculência do jogo, na objetificação dos corpos, na
"sexualidade vazia", nas reflexões limitantes pela cor da pele e/ou
gênero, enfim, são muitos os exemplos nocivos ao fluxo das culturas populares,
e conseqüentemente na emancipação humana pela arte de matriz africana.
As pessoas na roda se transformaram em números de
"grupos-produto", não se conectam entre si, apenas disputam espaços
de poder, como uma odisséia desvairada em busca de uma significação social
validada por um determinado "coletivo", que faz da capoeira apenas um
veículo de exercício da neurose de pessoas "perdidas/encontradas"
pelo ódio adquirido numa vida de culpas e repressões.
Analise comigo... A capoeira, enquanto arte nascida
em terreno ocidental em diálogo direto diaspórico africano, guarda uma relação
de flerte tanto com a matriz africana, quanto com as forças do patriarcalismo,
um sistema social em que homens mantêm o poder primário. Nesse "jogo"
de relações, os valores civilizatórios africanos (circularidade,
ancestralidade, memória, axé - energia vital, musicalidade, etc) tendem a ceder
lugar para que a energia do masculino, modele nossas ações dentro da arte
capoeira, construindo uma série de padrões adoecidos/tóxicos tanto para homens,
quanto para mulheres.
Mas isso quer dizer que a energia masculina é
perigosa? é ruim? Definitivamente, NÃO! Dentro de homens e mulheres, segundo
estudos na área da psicologia, coexistem as duas energias, sendo a energia do
masculino, relacionada a força da ação, razão, da exposição, tendo o astro-rei
Sol como símbolo, e a energia do feminino, relacionada a força do sentir, do
recolhimento, do anoitecer, do inverno, ligada a Lua. Ou seja, se nossa
sociedade reconhece e valoriza a força masculina, negligenciando e
discriminando tudo que se relaciona a força do feminino, como exigir que
possamos nos olhar dentro de uma roda, sem predispor a disputa de poder neste
local?
Nesta mesma linha de raciocínio, como exigir que
numa roda de capoeira que tenhamos a sensibilidade para uma atitude educada,
sensível, humanizada e cortês, se na exacerbação do masculino, tudo que é
validado é o comportamento agressivo, bruto e concorrente? Se, ao ser cortês, o
homem é tido como fraco e não-viril, e a mulher é promíscua e disponível.
Este exemplo nos convoca a pensar num movimento que
possa fazer um contraponto a este grande desequilíbrio estrutural, naturalizado
em nossa comunidade. O primeiro é um movimento de RECONHECIMENTO destas forças
que habitam em cada um de nós, e que se sufocadas (o feminino em mulheres e
homens) trarão sempre o adoecimento das pessoas por não poderem se permitir a
harmonia.
E o segundo movimento será o de estabelecer um JOGO
DE CAPOEIRA, dialógico e às vezes tenso, com os padrões sociais estabelecidos
para homens e mulheres, revendo os que forem nocivos e que subordinam seres
humanos pela competição desleal, autoritarismo, hierarquização das relações,
truculência e falta de diálogo ou de recuo.
No final das contas é dizer que a energia feminina
que mobiliza o RECUO, não configura a perda, e que a energia masculina que
projeta o AVANÇO, nem sempre garante o ganho, pois tudo é parte de um meneio de
"jogo" na vida, vislumbrando dias melhores!
Axé!
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