Por:
Mestra Brisa e Mestre Jean Pangolin
Para compreender melhor
sobre o "mandingueiro na capoeira" hoje em dia, precisamos fazer um
mergulho na história com o objetivo de entendermos mais sobre a origem deste
termo e discutir se a compreensão atual tem fundamento. A seguir trataremos
mais sobre mandinga na capoeira.
Vamos então voltar no
tempo, bem lá atrás, com a chegada dos “Malês” (hauçá málami,
"professor", "senhor", “imale” no ioruba, "muçulmano").
O termo Malê era usado em nosso país, do século XIX, para designar os negros muçulmanos
escravizados, que chegaram ao Brasil no final do século XVIII. Vale ressaltar
que os Malês eram diferenciados, pois em sua grande maioria, eram bilíngües,
dominavam a ciência matemática, eram hábeis comerciantes, extremamente
articulados politicamente, conhecedores da escrita alfabética e, muitas vezes,
superiores intelectualmente aos seus escravizadores.
Dentre os Malês,
queremos chamar a atenção para um grupamento conhecido como
"Mandingos", também chamados de Maninka, Manding, Mandenka e
Mandinko. Esses indivíduos são um grupo étnico oriundo da África ocidental,
remanescentes do antigo Império do Mali, o qual foi fundado no século XIII,
pelo Mansa Sundiata Queita. Assim, quando escravizadas para a Bahia, essas
pessoas tinham o costume de estarem sempre juntos aos seus e de carregarem no
peito um cordão com um pedaço de couro enrolado, com inscrições de trechos do
Alcorão dentro. Neste sentido, quando os negros de outras etnias observavam os Mandingos,
por não saberem do que se tratava aquele objeto pendurado, intuíam que era uma
espécie de "magia" ou "feitiço", passando a reconhecer esse
artefato como um "amuleto" e a chamá-lo de patuá.
Primeiro dizer o quanto
interessante é saber da origem das coisas e fatos. Os mandingos eram pessoas
com destacada fé religiosa, que carregavam sua crença no pescoço, mas não eram
mágicos nem feiticeiros. Você vê como o olhar do outro pode atribuir
características a nós, que nem sempre são de fato nossas. Provavelmente, aconteça
isso com você também.
Essa interpretação
"diferente" do real intuito dos Mandingos sobre o que seria o
"Patuá", fez com que, ao longo dos anos, o sentido da palavra
assumisse significados outros, sendo, atualmente, um tipo de amuleto muito
utilizado por pessoas ligadas as religiões de matriz africana, feito de um
pequeno pedaço de tecido na cor correspondente ao seu guia no plano espiritual,
com o nome da entidade bordado e colocado em um determinado preparo de ervas e
outras substâncias específicas, para cada caso. Assim, nesta metamorfose de significação
cultural na Bahia, os capoeiras antigos que carregavam seus amuletos - Patuás,
passaram a ser reconhecidos como "mandingueiros", ou seja, seriam
"magos" ou "feiticeiros" que dominavam os segredos do mundo
espiritual, sendo tudo isso também atrelado a determinadas características, que
vão da forma de vestimenta/indumentária até os trejeitos de mobilidade no jogo
da capoeira.
Mais uma vez pergunto,
é assim mesmo? Todo(a) capoeirista que carrega no pescoço um adereço que parece
“patuá”, batas com tecido africano, é mágico? É feiticeiro? Conhecedor dos
fundamentos religiosos? Ou pode ser um “capoeira fake”? “Fantasiado” para que
os desavisados assim o reconheçam? Só sei que é preciso muito mais do que
penduricalhos e adereços, para nos transformar em conhecedores de um
fundamento. O fundamento ou o conhecimento de qualquer coisa na vida deve ser
primeiramente sentido, vivido, deve fazer parte de nós como no caso dos
mandingos com seu Alcorão, para assim ser identificado pelo olhar atento de
terceiros.
O problema real é que
hoje estamos vivendo em tempos estranhos. O aluno que entra na minha sede só
quer aprender o “belo”, o fácil pra ele. A gente chama pra ir num evento de um mestre
antigo, ele esquiva do convite, pois, ou tem uma festa ou programa mais
interessante, ou ele não gosta do evento, pois é chato ter que ficar horas
junto do mestre que só quer falar, não deixando ele jogar toda hora, como
deseja. A capoeirista mal chega já pergunta quando vai ganhar corda de formada?
E quando você fala sobre o que ela precisa aprender pra chegar lá, ela diz:
Poxa, demora muito! E sai da academia com outros projetos, que não mais a
capoeira... As coisas estão mesmo estranhas.
Outro dia, ouvi falar
de uma tal de “modernidade líquida”, termo criado por um senhor chamado Balman,
que dizia que as relações hoje estão frágeis, e que toda a estrutura social
sólida está desmoronando, desconstruindo todos os moldes tradicionais e valores
presentes, volatilizando a ação do indivíduo que abandona suas referências. E
não é que isto está acontecendo mesmo? Capoeirista quer o “like” do Instagram, não
importa de quem e como seja conquistado. Prefere convidar para o evento e pagar
o cachê astronômico do famoso “Zé Ninguém” que está nos seus 15 minutos de
fama, do que honrar nossa ancestralidade convidando a mestra antiga, que já não
“pula tanto”, mas que conhece de todas as fases que um capoeirista passou e
passará vivendo desta arte. As coisas estão mesmo estranhas.
Lembrei-me de mestre
Buguelo da Bahia cantando:
“Ai Deus, ai mundo
Quem não sabe nadar, vai
ao fundo”
E neste emaranhado de
estranhezas, prefiro me curvar à lógica de um “patuá” preenchido com fé
material/imaterial, negando a embalagem bonita de algo oco e vazio, para
‘inglês ver”...
E você, quem é? Alguém
de Asé, ou mais um Oco da parada.
Axé!
Ei, psiu, gostou? Então
compartilhe, ajude a capoeira a refletir.
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